O Adeus da Pedra da Ursa

Praia da Ursa… Quem a viu pela 1ª vez e não sentiu o esmagamento pela dimensão das suas pedras, das arribas, cascatas e vida selvagem, uma porção de paraíso ao largo do Cabo da Roca, um tesouro das suas paisagens selvagens, a ‘pérola’ do litoral Sintrense.
"A promessa de Luz" - Praia da Ursa, Inverno de 2010
"A promessa de Luz" - Praia da Ursa, Inverno de 2010
Quando recebi a notícia do desmoronamento da ‘Ursa do Norte’ só me lembrei de tudo o que não fiz em fotografia com esta Pedra mítica. E foi com tristeza que caí na realidade que essa possibilidade desapareceu para sempre…

 

Inesquecível, o momento em que conheci a Praia da Ursa e a sua pedra ícone, ainda a meia falésia pelos trilhos contemplava esta Titã, e a sua imponência, monolito gigânteo que ostentava 100 metros de altura, formado por invulgares geologias, talhado pelas erosões na incursão calcária nos maciços graníticos dos contrafortes litorais, de formas delicadas e grande beleza, fotogénica, mas evidenciando toda a rudeza selvagem da Roca… A partir desse momento, a praia da Ursa e a sua Pedra conduziram na minha carreira fotográfica de paisagem natural um importante destino, ao qual regressei inúmeras vezes para lá estar e para fotografar – entre o entardecer, várias madrugadas, algumas pernoitas, crepúsculos e nocturnos. É um local singular em Portugal.

A 28 de Abril, regressei para verificar o estado do rochedo. Foi uma visão tanto triste, como inquietante, como inevitável, a modelação da paisagem à força da natureza. E aconteceu nesta geração, o desabamento da Grande Ursa, que à vista se encontra erodida, nas suas faces e de aspecto frágil tanto pelos deslizamentos no rochedo como pela íngreme forma do pico restante.

A nova Ursa... a partir de 23 de Abril de 2011
Gaivotas sobrevoado o pico do rochedo, dão certa noção de escala...
A composição "clássica" de um miradouro privilegiado
A erosão no pico da Pedra da Ursa, fragilizado, parecendo que pode não faltar muito para tombar a qualquer instante
Os detritos depositaram-se no arco "túnel" dos escaladores. O "Portal Cósmico"

Como se fala desta pedra? Desta praia e desta paisagem? A Praia da Ursa inspirou artistas ao longo dos tempos, são sobretudo conhecidas várias obras de pintura desde há um século atrás. Desde a antiguidade, persiste a “Lenda da Pedra da Ursa”:

«Um par de enormes rochedos emergem da água, a norte da Praia da Ursa, mesmo junto a essa, evocando a primeira enorme rocha em seu perfil, a imagem de um urso altivo.

A lenda diz que há muitos milhares de anos, quando a terra era uma enorme bola coberta de gelo, aqui vivia uma ursa com os seus filhos. Quando o degelo começou, os Deuses disseram a todos os animais para abandonarem a beira-mar, mas a ursa não o fez, pois ali tinha nascido e ali queria ficar.

Os Deuses enfurecidos transformaram a ursa em pedra e os seus filhos em pequenas rochas dispersas à volta da mãe, que ali para sempre ficaram dando assim o nome à praia – Praia da Ursa.»

Os Pináculos a Sul que delimitam a Enseada da Palaia... intactos e sempre imponentes
As cores do mar e a gaivota em busca do alimento

Outra lenda bem menos conhecida conta como terá sido realizada a primeira ascensão da Ursa:

«Há bastantes anos (menos do que milhares, com segurança), num raro dia de mar calmo, um pescador solitário atracou o seu pequeno barco junto ao flanco oeste do rochedo. Contornou a torre pelo anel da rampas mais suaves transportando um estranho e volumoso objecto debaixo dos braços. Destrepou a arriscada vertente de terra e pedras, chegando ao borde da face leste e esgueirou-se sobre o precipício de uns 25 metros. Duas grandes estacas foram cravadas entre pedras e uma enorme escada construída com ripas de madeira e cordas foi lançada ao vazio. Estava aberto o portal de acesso para a Ursa.

Pouco tempo depois, o mesmo homem resolveu subir até ao cume do rochedo. Procurou a secção de parede que lhe parecia ser a linha de mais fácil ascensão e lançou-se à aventura, em solo e por entre blocos decompostos. A emocionante escalada finalmente terminou e, o pescador pôde respirar fundo e apreciar a vista tão inebriante, tão sublime.

Levou a mão ao bolso e retirou um punhado de moedas. Utilizando uma pedra martelou algumas moedas em finas fissuras dos rochedos do topo, como uma espécie de oferenda a um qualquer Deus que o permitira sobreviver à arriscada ascensão.

Alguns minutos depois voltou a descer, “a pêlo”, ou com a ajuda de uma velha corda (dependendo da versão adoptada).

Após essa primeira vez, o homem foi voltando periodicamente ao rochedo da Ursa, aproveitando a maré vazia e subindo pela fantástica escada de cordas, dirigindo-se ao lado oeste da formação, onde a rebentação anuncia a melhor pescaria.

De quando em vez, enquanto esperava que a maré voltasse a vazar, antes que a Pedra da Ursa deixasse de ser ilha, o pescador voltava a escalar até ao topo, para apreciar as vistas, para viver uma nova aventura. Sempre que o fazia, deixava a sua oferenda de moedas, cravadas nas mais altas rochas que lograva alcançar.

Hoje em dia, cada vez que visitamos a praia da Ursa, podemos apreciar a incrível escada de cordas que os pescadores locais costumam utilizar. E, se nos atrever-mos a escalar até ao cimo, ali estão as moedas cravadas, desde os tempos dos escudos. Fábula ou realidade?»

Fonte: Blog «Rocha podre e pedra dura», artigo por Paulo Roxo

Ainda que com a luz dura do Sol da tarde, há lugar a composições mais abstractas e criativas tendo o mar como motivo
Primavera costeira e a vida desta praia selvagem

Como se fala desta praia? É simbólica, as suas pedras colossais, pesqueiros, cordas, escadas, cabanas e trilhos escarpados, os dos pescadores, que persistem desde os antigos. É uma praia especial para cada um de nós, que com ela se liga numa natureza idílica, que tem tudo o que de espirituoso significa o encontro do ser com a terra, com a paisagem… uma paisagem quase “lunática” como alguém disse.

 

Notícias e ligações:

“O Despertar e Último Momento da Praia da Ursa”

“Os arcos da Praia da Ursa”

“A Natureza continua a moldar a imagem da Praia da Ursa”

Texto e fotografia: ©Hélio Cristóvão

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